domingo, 10 de junho de 2012

CAIPIRINHA DE LEME


Caipirinha de leme

Ao contrário do apelido dado por Assis Chateaubriand, a esfuziante Yolanda Penteado revela-se uma mulher à frente do seu tempo em biografia de Antonio Bivar e na minissérie global Um só coração

Luiza Villaméa
Yolanda Penteado (1903-1983) era uma mulher fabulosa. Seus contemporâneos jamais questionaram. Belíssima, aos 16 anos já arrasava corações, dispensando casamento com admiradores da estirpe do inventor Santos Dumont e da importância do jornalista Assis Chateaubriand. Inovadora, Yolanda também brilhou ao administrar com eficiência e dinamismo a Fazenda Empyreo, em Leme, interior paulista, onde nasceu. Dona de vasta cultura, usou seu talento e trânsito no cenário internacional para ajudar a montar a Bienal de Artes de São Paulo. Estas e outras facetas daquela que no momento é personagem da minissérie global Um só coração estão esmiuçadas de forma cativante na biografiaYolanda (A Girafa, 430 págs., R$ 53), do escritor e dramaturgo Antonio Bivar. O livro tem como principal fonte a autobiografia Tudo em cor-de-rosa, que Yolanda publicou em 1976, pela editora Nova Fronteira. Entre outras pérolas, o livro conta com introdução de Sérgio Buarque de Holanda e prefácio de Gilberto Freyre, dois ícones da elite intelectual brasileira. Sobrinha da biografada, Maria Antonieta do Prado Cintra, a Antonietinha, 80 anos, já começou a ler a nova obra. E confessa estar preferindo a versão de Bivar. “É mais divertida”, afirma.
A experiência de ver a família e a si própria no livro e na minissérie – seu nascimento foi ao ar recentemente – anda mexendo com as lembranças de Antonietinha. “Quando começo a ficar emocionada demais, tomo meio Lexotan”, confidencia, referindo-se ao medicamento ansiolítico. “Meu médico disse que não faz mal.” Os trabalhos sobre a tia famosa puseram em foco sua antiga caixa de fotografias, alvo da curiosidade de netos e bisnetos. Todos querem conferir a árvore genealógica da família, na qual outra mecenas ocupou lugar de destaque – Olívia Guedes Penteado, casada com um tio de Yolanda, Inácio Penteado. Uma das mais versadas no emaranhado familiar é a atriz Gabriela Hess, 28 anos, sobrinha-bisneta de Yolanda. “Na minissérie faço o papel da mãe da Antonietinha, que na verdade é minha tia-avó.”
Em Um só coração, a trama que inclui personagens e episódios ficcionais é traçada pela trajetória da personagem vivida por Ana Paula Arosio. O roteiro de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira começa nos anos 1920 e vai até meados da década de 1950. “Yolanda é fascinante. E fica mais fascinante à medida que a conhecemos”, comenta Maria Adelaide. Quando propôs o argumento à direção da Globo, a dramaturga lembra que não tinha essa dimensão. “A intuição me ajudou”, diz. Famosa pela competência com que trata temas históricos, ela foi uma das pessoas que mais incentivaram Bivar a escrever a biografia. No prefácio, ele conta que já havia enchido meio caderno escrito à mão – mais tarde passado para o computador – quando soube que a amiga preparava um roteiro televisivo sobre a personagem. “Agora vão pensar que só estou escrevendo o livro por causa da minissérie!”, amargurou-se. No mesmo dia, porém, Maria Adelaide o convenceu a seguir em frente com o projeto sobre a Caipirinha de Leme, apelido dado a Yolanda por Chateaubriand.
Apesar de ter recusado o jornalista como marido, Yolanda permaneceu toda a vida ligada a ele, que construiu o primeiro império de comunicações do Brasil e, de quebra, criou o Museu de Arte de São Paulo (Masp). Além das artes, outra paixão que os unia eram as aeronaves. Yolanda, que também cultivou amizade com Santos Dumont até a morte do inventor do avião, em 1932, viajou incontáveis vezes a bordo dos teco-tecos de Chateaubriand. Nos anos 1940, quando o amigo lançou a campanha “Asas para o Brasil”, fundando aeroclubes por todo o País, Yolanda doou um campo de aviação com 242 mil metros quadrados à cidade de Leme. Para inaugurá-lo, 20 aviões aterrissaram na pista, um deles pilotado pelo príncipe dom João de Orleans e Bragança. “A coisa foi muito imponente, bem organizada, séria. Ao mesmo tempo, tudo era folclórico: os negros que rodeavam os aviões, os fazendeiros da redondeza, o pessoal da roça que nunca tinha visto um avião de perto”, conta a própria Yolanda em Tudo em cor-de-rosa. “Foi preparado um festão para o povo que trabalhava na lavoura e um churrasco na Casa Grande para os convidados. Chateaubriand fez um discurso, dizendo aquelas coisas maravilhosas que ele tão bem sabia dizer.”
A performance aérea, capitaneada por Chateaubriand a bordo de seu avião preferido, o Raposo Tavares, também é relatada por Bivar. De tão espetaculares, muitos episódios deYolanda parecem obra de ficção. Caso da “festa brasileira” promovida na Fazenda Empyreo, no começo de 1954, como extensão do festival cinematográfico do IV Centenário de São Paulo. O acontecimento, inédito no País, movimentava a então provinciana São Paulo quando o chefe da delegação de Hollywood, Erik Johnson, perguntou a Yolanda se ela não poderia mostrar a fazenda aos artistas americanos. Empolgada com a idéia, resolveu receber todos os partipantes do festival. Como anfitriã, ela era sempre superlativa. Ao prefaciar sua autobiografia, o historiador Sérgio Buarque de Holanda relembra que, certa vez, tentara mudar o horário de uma visita que faria à fazenda de Leme com professores estrangeiros de passagem pela Universidade de São Paulo. O intelectual ponderou que o encontro, marcado para as 11h, não permitiria a volta a São Paulo a tempo do almoço. “Pois se convido é para almoçarem”, respondeu Yolanda. “Mas não se pode, são 76 pessoas!”, argumentou Holanda. “Se for 100, venham todos”, foi a resposta.
Na festa preparada para a turma do cinema, Yolanda também esbanjou generosidade. Os convidados embarcavam na Estação da Luz, em São Paulo, em vagões climatizados nos quais champanhe e uísque eram servidos à vontade. Quase 200 quilômetros depois, seguiam em ônibus-jardineiras rumo à Casa Grande da fazenda. O astro americano Errol Flynn, que já havia provocado desmaios na estação ferroviária de Leme, chegou tão animado que logo se atirou na piscina. Com a calça de linho molhada, foi um escândalo à parte. “O convite pedia que fôssemos de branco para os artistas se destacarem mais”, lembra Antonietinha. “Tia Yolanda pensava nos mínimos detalhes.”
Além de detalhista, ela era poderosa. Entre outros feitos, nos anos 1950 trouxe ao Brasil o painel Guernica, a mais famosa obra de Picasso, que retrata o bombardeio da cidade durante a guerra civil espanhola (1936-1939). À época, a obra se encontrava no Museu de Arte Moderna de Nova York, de onde nunca havia saído. As incursões de Yolanda pelo mundo artístico se deram principalmente por causa do seu segundo casamento com o industrial de origem italiana Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo Matarazzo. Ele foi um dos principais responsáveis pela criação da Bienal das Artes de São Paulo e do Masp. De acordo com a inspiradora de Um só coração, o museu foi totalmente planejado em 1947, durante uma temporada de sete meses que passou com Ciccillo na Suíça, no sanatório de Schatzalp, quando ele se convalescia. Mais tarde os dois se separaram, mas continuaram amigos. O primeiro casamento de Yolanda Penteado havia sido com o quatrocentão Jayme da Silva Telles, mas, em Tudo em cor-de-rosa, ela foi superdiscreta sobre seus muitos amores. No livro recém-lançado, Antonio Bivar segue o mesmo caminho. Uma questão de elegância.
FONTE:ISTO É INDEPENDENTE

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